>O Monólogo do Silêncio

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Não sei se a grave e severa doença que se me acomete também acaso acometa ao leitor. Mas o caso é que muito provavelmente – não fosse o santo registro pela escrita – eu logo esqueceria o que ainda estou para dizer. E como tema já não lembrar o que estou prestes a escrever, escrevo o mais que posso e o quanto antes!
Já ocorreu com vocês o que ocorre com muitas pessoas – e ao que parece, comigo muito especialmente – aquele lapso momentâneo de memória vulgarmente conhecido como o “dar branco”?!
Pois bem, comigo isso é uma constante. E por ser algo assim tão corriqueiro e quase que como um traço marcante de minha personalidade mesma, eu o entendo como uma doença, a qual tomei a liberdade de denominar como “deubraquismo severo” ou “mesquecice aguda”.
Por exemplo, agora mesmo enquanto escrevo, subitamente não emendo uma coisa com outra e nem outra com uma, e se acaso não dou por mim e me pego no pulo de meus próprios pensamentos, acabo por confundir embaraçosamente “lé” com “cré”.
É uma incômoda e irritante espécie de gagueira mental, onde novas e diversas resoluções se agrupam aos montes enquanto aquela primeira, idéia fixa e inflexível, serve como que a desencaminhar e/ou congestionar todo o tráfego daquelas mesmas dúzias e dúzias de pensamentos, a um só tempo vagos e bem definidos. E assim tornam um simples ponderar numa via intransitável de idéias confusas e intrincadas em si mesmas; num turvo e crespo mar de resoluções diversas e algumas vezes até mesmo divergentes.
É uma tortura, é uma aflição, é uma angústia desmesurada, gente!!! Vocês não têm noção!
Os pensamentos se me escapam à mente, e por assim dizer, como que correm de um lado a outro dos hemisférios cerebrais. E nesses lapsos momentâneos de memória, que podem ser tanto subjetivos como funcionais, ou seja, podendo ocorrer tanto no bloqueio temporário de lembranças ainda vívidas, quanto levando à incerteza sobre a execução de uma tarefa qualquer.
Fora aquela constante e intrigante sensação de “esqueci alguma coisa num sei onde”; por vezes quero falar o que tenho absoluta certeza do que vou dizer e, no entanto nada digo, calo. E então, entre uma colocação e outra acabo por ficar completamente deslocado; e entre uma frase e outra se segue uma longa e desconcertante reticências… como fosse o Monólogo do Silêncio:
— Então, sabe aquele… é… intão… com’é memu?! o… a… hein? aquela parada?! aquele negóço, porra?! Aquele troço, carái! Não, não, aquela budega! Me ajuda aí, gente!!!
Por fim acabo por percorrer mentalmente todas as palavras já lidas no Aurélio, com exceção daquela que realmente me interessa a finalizar a frase iniciada. É um horror! E, pode-se dizer por analogia, em termos de sensação, que é como sonhar cair num abismo; só que para dentro de si mesmo, naquele imenso vazio formado pela lacuna que separa a minha mente do meu corpo. Mas, não, o pescoço continua lá, firme e forte, sustentando uma cabeça brevemente inutilizada!
Por vezes saio a executar determinada tarefa, certo da resolução inicial que me levaria a tal consecução do fim preliminarmente proposto, mas antes que possa ligar o início ao bendito fim, dá-se um ‘não sei quê’ do que fazer e então giro de um lado para o outro como uma barata tonta, enquanto que como um cão que corre atrás do próprio rabo o cérebro dá voltas a esmo:
— Per’aí, que qu’eu vim fazê aqui memu?! …dexa vê… hum, não… Porra, afinal o que qu’eu tô fazendo aqui?!!!
Baixa uma coisa, um troço, sei lá, um encosto” desmemoriado e eu não consigo me lembrar de absolutamente nada!
Não, eu não sei; e quase sempre acabo por desconhecer os motivos de minhas próprias ações. A idéia parece como que exibir-se e ocultar-se como o lusco-fusco de uma chama tremeluzente; e entre um clarão vivaz e uma completa escuridão, eu simplesmente tateio nas vultosas sombras do âmago do meu eu mais profundo…
E aqui – caso não corresse o risco de parecer um comentário racista –, o “dar branco” poderia ser substituído pelo “dar preto”; protagonizado pela figura da entidade que lhe fosse mais correspondente, afinal unir-se-iam as cores atribuídas ao lapso de memória ao Mal de Alzheimer que se segue à avançada idade da referida entidade:
Mas, para sermos politicamente corretos, usemos a expressão: “deu breakout”, ou ainda, “Black or White”.
Isso é irracional, é ilógico, é estranhamente assustador!
Mas o que a ciência explicava como um reflexo de uma oxigenação cerebral insuficiente, agora atribui ao stress, como um distúrbio resultante da ansiedade momentânea. O que se daria do seguinte modo:
Quanto mais alguém fica nervoso sobre sua própria performance em resolver algum problema, fixa-se em si mesmo tentando não cometer nenhum erro e, assim, tende a perder o controle sobre suas habilidades previamente construídas. O cérebro tenta resolver todos os pormenores, que normalmente são automatizados, e isso gera uma sobrecarga no processamento da informação, consumindo mais oxigênio e energia e gerando cada vez menos resultados. No ápice disso tudo é possível que o cérebro abandone algumas tarefas – mais custosas em termos energéticos – para não comprometer outras (manter o equilíbrio corporal, por exemplo). E num piscar de olhos a pessoa esquece tudo relativo ao problema que estava tentando resolver e dá-se “o branco”.
Após estudos, psicólogos da University of Western Australia, chegaram à conclusão de que é possível que uma pessoa evite o branco mental e melhore a resolução de problemas através de técnicas de controle da ansiedade; pensando, por exemplo, em palavras com sentidos amplos (uma cor, digamos), em mantras ou músicas em geral, que são pensamentos vagos e genéricos, que podem aliviar os processos que estão ocupando regiões determinadas do cérebro, ajudando-o a não se concentrar em um objeto ou momento específico, deixando o pensamento fluir naturalmente.
Ou seja, para concluir, posso dizer que no meu caso específico, pelo menos – que mereceria um estudo à parte –, devo usar um culler enorme embutido no meu crânio, feito aquele pirocóptero acoplado à cabeça do Inspetor Bugiganga; ouvir ininterruptamente músicas do tipo Solaris ou canções eruditas, de preferência Cantatas Barrocas; tudo isso enquanto entôo mental e continuamente o seguinte mantra: Tu Sabi Ki Sabi! Tu Sabi Ki Sabi! Tu Sabi Ki Sabi! Tu Sabi Ki Sabi! Tu Sabi Ki Sabi! Tu Sabi Ki Sabi! Tu Sabi Ki Sabi!…
… Cacet, Tu Sabi Ki Sabi!!!
O que eu estava dizendo mesmo?!

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Observador; Analítico; Crítico; Excêntrico; Seco; Molhado; Eloquênte; Adstringente. View all posts by fredlofia

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